Assumir que foi vítima de violência sexual não foi tarefa fácil para a atriz e modelo Aline Campos, 32. Ela precisou de tempo e muitos anos de terapia para decidir falar sobre os casos de estupro que vivenciou: um na adolescência e outro, aos 19 anos.
A coragem para falar publicamente sobre os crimes veio após o caso da da atriz Klara Castanho, que foi estuprada, engravidou e fez a entrega voluntária do bebê gerado após a violência sexual sofrida.
As duas estão no filme “Férias Trocadas”, dirigido por Bruno Barreto, que estreia no final do ano, no qual Aline faz o papel de mãe de Klara.
A seguir, a entrevista de Aline, que ergue sua voz no movimento #AgoraVcSabe, puxado pelo Instituto Liberta, para tirar do silêncio e da invisibilidade a violência sexual contra criança e adolescentes no país.
Eu e a Klara (Castanho) criamos uma relação grande de amizade por conta do filme. Ficamos um mês juntas na Colômbia, convivendo e gravando. Ao ver a coragem que ela teve de relatar tudo o que passou me senti motivada e inspirada a mostrar que essa violência é mais comum do que a gente imagina e que acontece com muitas mulheres.
Acontece com pessoas que você conhece. Eu sofri, minha mãe também sofreu violência sexual. Dentro do nosso meio acontece com muita gente. Precisamos falar sobre isso para que quem for vítima não se esconda, pois precisamos denunciar. Só assim terá punição dos estupradores para que não façam isso com outras pessoas.
Eu, como muitas vítimas, tentei apagar o que tinha acontecido da minha mente. Muitas meninas e meninos, muitas mulheres passam por violência sexual, estupro e não denunciam, se calam como foi comigo.
Mas, é preciso falar e só consegui com a ajuda de anos de terapia. É muito importante iniciativas como essa do Instituto Liberta para falar de um problema que é tão recorrente. Quando aconteceu comigo, era como se eu quisesse, inconscientemente, bloquear esse fato ruim.
Mas, isso prejudica nossa vida em vários aspectos e até em relacionamentos futuros. Como se a vida não fosse para frente por conta de uma soma de traumas sofridos. Eu sempre falo que se você sofreu uma violência sexual, procure ajuda psicológica para que consiga se libertar dessa culpa, que nunca é da vítima.
Eu, como muitas vítimas, tentei apagar o que tinha acontecido da minha mente – Aline Campos / Atriz
A primeira vez, eu tinha apenas 17 anos. Estava em uma festa e acho que colocaram alguma droga na minha bebida, acredito que foi o famoso ‘boa noite, Cinderela’. Tenho apenas alguns flashes de eu num quarto em uma cama e duas pessoas no quarto, dois homens.
Tenho flashes de acordar e não sei se o outro participou também. Lembro de tentar reagir e apagar. Fui vencida pelo sono.
Depois, quando estava em uma viagem no exterior, colocaram novamente algo na minha bebida, mas minhas amigas me protegeram e ficaram ao meu lado o tempo todo. Desta vez, nada aconteceu comigo.
Por isso, não tome bebida no copo de ninguém, fique atenta ao seu copo na balada e não aceite bebida de gente estranha.
Quando eu tinha 19 anos, um homem me procurou para oferecer um trabalho, que seria internacional. Eu sempre fui muito independente e sonhava em conquistar minhas coisas e acreditei nele. Ele me pediu para ir encontrá-lo num shopping e fui.
Estranhei, pois tinha pedido para ir de saia e salto alto. Como era um lugar público, achei que não tinha problema. Como era um trabalho de dançarina, depois de conversarmos , ele me chamou para ir até o escritório dele para mostrar eu dançando. E lá o abuso aconteceu.
Ele começou a passar a mão no meu corpo. Eu na hora falei para parar e saí de lá correndo. Entrei num táxi e fui chorando para casa. Me senti muito mal, uma confusão na mente e só consegui falar sobre isso depois de cinco anos de terapia.
Sem dúvida isso tudo prejudicou muito minha vida. Não cheguei a travar sexualmente nem demorar para me relacionar com outros homens, mas sem dúvida considero que tive um bloqueio da imagem da figura masculina.
Tanto que eu sempre queria me mostrar mais forte, dizendo que não preciso de homem para nada. Acho que hoje consigo equilibrar um pouco mais esse meu lado masculino com o feminino.
Infelizmente quando transformamos algo em tabu, quando não temos uma conversa aberta com nossos filhos, isso deixa eles vulneráveis.
É um assunto que precisa ser falado em todos os lugares, para que meninos e meninas saibam respeitar seus corpos, entendam sobre consentimento e busquem ajuda de alguém confiável caso alguém tente forçar algo.
Eu tenho um filho de 12 anos. Eu e o pai temos um diálogo muito aberto com ele. Falamos sobre sexo, respeito, consentimento. Ele precisa ter consciência e saber que pode contar comigo para conversar sobre qualquer assunto.
Quando eu fui vítima na adolescência, me fechei e escondi de todos. Nunca falei para ninguém até então.