A participação de Vinicius Rodrigues, a segunda pessoa com deficiência em 24 edições de Big Brother Brasil (a primeira foi Marinalva de Almeida, atleta paralímpica, no BBB 17), ascende a discussão sobre representatividade no maior reality show do país e o alerta sobre capacitismo – preconceito contra pessoas com deficiência e o ato de reduzir alguém a sua deficiência.
O atleta paralímpico de 29 anos teve parte da perna esquerda amputada após um acidente de moto e utiliza próteses desde então. Na primeira prova de resistência da temporada, ele precisou trocar de prótese no meio do desafio por não saber que iria se molhar. Além disso, durante a dinâmica, Maycon satirizou o membro do brother que sofreu amputação. “Vamos botar um apelido no cotinho”, diz em vídeo que viralizou nas redes sociais, apontado pelo público como capacitismo.
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Em entrevista à Quem, os influenciadores PCDs Bianca Sessa, primeira participante com deficiência do Casamento às Cegas Brasil, Ivan Baron, ativista anticapacitista com mais de 500 mil seguidores no Instagram, e Mariana Torquato, pioneira no Youtube Brasil sobre deficiência, falam do impacto da participação de Vinicius no programa da Globo e reivindicam intervenção contra eventuais falas capacitistas dentro do confinamento.
Do BBB 24 para a evolução da sociedade
Mariana diz que isso ajuda a combater o apagamento de pessoas com deficiência da mídia e do cotidiano das pessoas. “Ter uma presença de uma pessoa ali, fazendo suas coisas, simplesmente, vivendo, faz com que a gente naturalize a presença da deficiência dentro da nossa sociedade”.
Ivan valida o impacto da imagem de Vinicius no interesse do público pela sua representatividade. “Só em ter um corpo amputado, com deficiência e fora do padrão em rede nacional já desperta uma certa curiosidade no público e, automaticamente, a procura por saber quem é aquela pessoa e toda sua história. Acredito que aí é que entra a utilidade pública do programa em conduzir da melhor maneira com o discurso sobre deficiência e inclusão”.
Já Bianca destaca a falta de personalidades com deficiência em evidência. “A representatividade que se faz tão necessária, já que hoje, na mídia, a gente não tem tantas figuras públicas que são pessoas com deficiência. Estando dentro do Big Brother é um alcance enorme, isso traz olhos para PCDs”.
Intervenção sobre capacitismo
Com base no artigo 88º da Lei de nº 13.146/2015, a Lei Brasileira de Inclusão, sancionada pela ex-presidenta Dilma Roussef, trata capacitismo como crime, sob pena de reclusão de até cinco anos e multa.
Após repercussão do comportamento de Maycon, Tadeu Schmidt questionou Vinicius no confessionário sobre comentários que escuta sobre sua deficiência: “Você tem que ter direito de fala. Eu sou um cara amputado, eu tenho autoridade pra brincar e esse foi meu gatilho para quebrar esse clima. Porque fica um climinha meio chato”, respondeu o brother.
Os influenciadores com deficiência cobram um posicionamento mais informativo sobre o assunto em comparação com outros casos de preconceito, prontamente refutados ao longo das edições. “É bom deixar claro que as falas do Maycon não são piadas, são falas capacitistas. A gente não pode levar o capacitismo como uma brincadeira, uma piadinha, descontração, porque, claramente, não é. Hoje, a gente tem leis que nos asseguram em relação a isso”, aponta Bianca.
“A gente tem que lembrar que capacitismo é um crime, como o racismo é um crime. Quando a gente fala de problemas de racismo, machismo, no programa, a gente tem um histórico onde o apresentador e o programa se colocam contra esse tipo de atitude. Então, eu acho que sim, seria o certo, o programa e a produção sempre se manifestarem quando o Vinicius sofrer algum tipo de capacitismo”, opina Mariana.
Eles acreditam que a orientação da produção em contato direto com os participantes seria o melhor caminho para promover a empatia. “Acredito muito na grandiosidade da Globo, como a maior emissora da TV aberta e no fortalecimento de iniciativas para combater esse tipo de preconceito dentro e fora do reality show”, afirma Ivan. “Precisa de uma intervenção da produção, não só entender o lado da vítima, mas a orientação e a punição para quem o agrediu, seja verbalmente, fisicamente”, diz Bianca.
Ainda no confessionário, Vinicius foi perguntado por Tadeu Schmidt sobre o andamento da prova – que gerou questionamentos no público sobre falta de acessibilidade. “Estava nessa dúvida de qual perna era ideal que eu deveria usar. Agora, já sei que quando for prova, é para entrar com a prótese à prova d’água todas as vezes”, respondeu o atleta.
Bianca frisa a distinção entre igualdade e equidade para que a inserção do participante com deficiência no elenco seja contemplada com acessibilidade. “O Big Brother já é um programa que existe igualdade a partir do momento que colocam diversas pessoas que não fazem parte de um mesmo grupo para conviver e tratam todas elas da mesma forma. Mas as provas, dinâmicas, precisam ter um olhar de equidade, são pessoas distintas, mas que precisam ter a mesma oportunidade de realizar essas funções”, explica Bianca.
Ivan sugere a criação de um comitê de acessibilidade na produção do programa. “Não precisa mudar muita coisa e nem interferir no rumo do jogo, continua a mesma dinâmica, mas agora é preciso garantir suporte para o participante não sofrer com a ausência de acessibilidade. Queria que vocês soubessem que pessoas com deficiência de longe querem privilégios ou precisam ser tratadas de maneira igual as outras”.
Representatividade não é, necessariamente, torcida
Se sentir representada por Vinicius como pessoa com deficiência não está diretamente ligado a uma torcida como jogador do BBB. Para Mariana, o rendimento dele dentro do programa diz respeito ao comportamento dele como ser humano para além de sua condição física, o que reflete a naturalização da pessoa com deficiência.
“Não vou torcer pelo Vinicius por ele ter uma deficiência, como não vou torcer por uma pessoa por ela ter olhos verdes e eu também. Acho que ele não vai ser uma pessoa perfeita, como ninguém é, ele está lá para errar, para acertar”, explica. “Mas eu vou estar aqui para ver situações que eu considero problemáticas e expor isso, mostrar o porquê está errado e tentar educar o público e também o programa, porque eles acabam vendo essas coisas”, completa.
Refutar estereótipos melancólicos
O combate ao estereótipo do exemplo de superação, figura heróica, ainda muito utilizado na sociedade, é outra questão levantada pelos criadores de conteúdo. Mariana espera que a edição de imagens do programa evite uma narrativa melancólica por conta da deficiência.
“Quero muito que a produção e edição não caiam na linha do herói, que é mais que atleta. Quero muito que isso não aconteça, que a gente não veja uma narrativa de exemplo de superação. Quero que a gente veja o Vini vivendo, cantando, dançando, se relacionando com alguém e sendo visto como uma pessoa humana e não como um herói, que a gente não saísse desse programa com um reforço de um estereótipo”.
Ivan torce pelos espectadores exercitarem o olhar por completo sobre Vinicius. “Espero que o público julgue ele pelo seu jogo e não por ser uma pessoa amputada, tratando com vitimismo e atitudes capacitistas. Representa, Vini!”.
Bianca acredita que os acontecimentos do programa possam impulsionar uma mudança de comportamento para além das vidas vigiadas pelas dezenas de câmeras de Curicica, no Rio de Janero. “É importante ter essa força não só dentro do reality, mas também aqui fora. Como sociedade, a gente ainda precisa evoluir muito e de muita acessibilidade. O Vinicius estar lá dentro pode trazer um olhar diferente para isso aqui fora”.
Além de Marinalva e Vinicius
Mariana ainda questiona o fato de Vinicius ter a mesma deficiência de Marinalva, primeira PCD do BBB, participante do BBB17, e ambos serem atletas paralímpicos. “Visto que as duas pessoas que o programa já trouxe foram atletas paralímpicos com amputação de perna, que possuem próteses que os tornam praticamente pessoas sem deficiência, quando eles estão usando as próteses, faz com que o programa não tenha que adaptar nada. Não precisa adaptar a casa e quando a gente fala de pessoas com deficiência, a gente está falando de um mundo muito complexo e amplo”.
“Não são só esse tipo de deficiência que pode entrar no BBB. Acho que a gente poderia ter um misto de deficiências no programa aí a gente tem que entender que teria que adaptar bastante coisa…A gente está vendo que a sociedade está pronta e ativamente querendo debater deficiência, entendendo o que é capacitismo e isso me deixa muito feliz, porque quando a Marinalva participou, a gente não viu isso, não tinha essa discussão em pauta”.
Assim como Ivan idealiza um comitê de acessibilidade, Bianca reitera a necessidade da diversidade também nos bastidores da atração televisiva. “Acho que, não só a pessoas que estão assistindo, como também quem está produzindo esse reality vai aprender muito com a participação do Vinicius. Com apenas dois participantes dentre uns 400 que já passaram pelo Big Brother é muito pouco, precisa de muito estudo, muita evolução. Talvez alguém de dentro, que seja uma pessoa com deficiência, tenha um olhar mais aguçado, feeling mais rápido para existir uma preparação”.